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Gabi: crises de rinite, hospitais e injeções


Gabi era a quinta filha de seus pais, com uma distância de idade de quase 15 anos para aquele que até então era o caçula. A gravidez foi boa diante de todos aqueles medos que colocaram na cabeça da mãe de Gabi sobre ‘os riscos de uma gravidez depois dos 40’. Foi tranquila. Apenas alguns poucos enjoos e cólicas. Ah, sim, as cólicas... A doula já se sabia que Gabi nasceria cabeluda porque houve cólicas durante os oito meses. No finalzinho, Gabi começou a pressionar para sair. Talvez estivesse difícil dividir espaço com todo aquele cabelo.


A família sempre encheu Gabi de cuidados. Não se sabe exatamente se pelo nascimento precoce ou pela perda de costume de todos em lidar com uma criança depois de tantos anos. O fato é que Gabi, desde a infância, teve todas as doenças comuns a crianças, resfriado, infecções no ouvido, caxumba... e piolho, que não é exatamente uma doença, mas que surge como epidemia. Na adolescência, a única que permaneceu foi a rinite.


Tinha crises longas, de dois dias. Obstrução nasal logo no primeiro dia. Coriza e coceira no nariz no último. Não consegui fazer nada nestes dias porque os espirros eram frequentes. Não conseguia ir às aulas e se ficasse em casa não podia ler ou assistir TV, com tantos espasmos para espirrar. Eram dias mortos. No terceiro dia, ficava ainda com o corpo dolorido, tão intensos os espirros eram.


Tentou vários tratamentos; sem resultado. Os diagnósticos foram variados. Um médico disse que era apenas alergia que passava com o tempo; um outro, sugeriu uma cirurgia de desvio de septo. Os pais ficavam sempre preocupados porque eventualmente Gabi ligava do hospital pedindo para alguém ir buscar.

Infelizmente, era comum. As crises eram mais espaçadas no verão, mas no inverno era certo que Gabi estava no hospital a cada quinze ou vinte dias. Estava na universidade, assistindo às aulas normalmente, quando sentia o nariz entupir. Daí já sabia a rotina. Não dava vinte minutos e já estava espirrando. A depender da intensidade, ficava completamente afônica. Assustador mesmo era somente quando sentia dificuldade de respirar. Nesses casos, nem esperava a aula acabar. Pegava o ônibus e já descia no hospital.


Por sorte, a parada de ônibus era na frente da entrada da emergência. Gabi descia do ônibus já acenando para as plantonistas da noite que a conheciam desde pequena. Sabiam a que remédios ela tinha alergia e já ligavam de imediato para um de seus irmãos busca-la despois da injeção que ela tomava. Com o resto, ela já estava acostumada. Essa injeção é que parece que não tinha evoluído com a medicina. Doía sempre.


E era sempre o mesmo espetáculo. A enfermeira dizia “Gabi, abaixa essa calça, deita na maca com a barriga pra baixo que eu vou preparar a injeção”. Era assim há anos. Há tanto tempo ela passava por isso que não conseguia lembrar se teve vergonha de tirar a roupa alguma vez no início. Nem precisavam dar as ordens. Entrando na sala, lá ia Gabi baixando a calça e puxando a calcinha de lado para dar o espaço adequado para o furo da agulha.


Aquela noite de sexta estava bem fria e a voz do professor era ouvida como uma canção de ninar para a maioria da turma. Gabi, mantendo a pose de quem anotava no caderno por interesse na aula, já pensava no que faria no fim de semana. Ficou frustrada quando veio o primeiro espirro. Começaram os preparativos. Pegou o caderno e a bolsa, foi à parada, subiu no ônibus cheio. Meia hora depois, desceu no hospital. Entrou correndo como de costume. Entregou os documentos e esperou ser chamada.


Procurou Lena, a enfermeira que comumente a atendia. Perguntou à recepcionista:


- Ue, Marlene, cadê Lena?


- Ah, Gabi, Lena não vem. Pedrinho nasceu... mas não se preocupe que já tem gente para ficar no lugar dela durante a licença maternidade. – E apontou para um rapaz de cabelos pretos e pele lisinha que ajudava uma senhora a levantar – Humberto vai te atender assim que terminar com aquela senhora que é prioridade, ok?!


Gabi ouviu aquela frase por completo e tem certeza de que ela continuou com alguma informação extra sobre o bem estar da nova mamãe, mas simplesmente não prestou atenção em mais nada. “Que rapaz bonito!”, pensou. E era mesmo. Meio cheinho... Gabi nunca gostou dos caras magros ou cheios de músculos da faculdade. Daquele jeito, as bochechas ajudavam o sorriso largo a apertar os olhos quando aparecia. Tudo contornado pelas sobrancelhas grossas que ajudavam cada expressão do rosto. Ah, e pernas grossas que as calças não ousaram esconder.


Enquanto media a pressão daquela senhora, ele viu que ela o olhava. Gabi corou quando percebeu que ele retornou com um meio sorriso de quem compartilha o desejo. Ficou nervosa quando lembrou: ele a veria de calcinha. Estremeceu.


Passou os cinco minutos seguintes ligando desesperada para casa. Ninguém atendeu. Não arriscaria ficar ali e ser chamada a enfrentar aqueles olhos nos próximos minutos. Mas aquele nariz não deixava saída, precisava ficar. A adrenalina impulsionou o cérebro e o cérebro os movimentos da presa que foge do predador.


Correu para a porta, pegou o primeiro taxi que viu e foi para casa. A distância era curta e a viagem não deu tempo de profundas análise sobre qual a melhor saída. Fez o mais adequado. Chegou afobada à porta de casa. Um irmão perguntou o que tinha acontecido, mas ela não conseguia formular uma frase sem respirações profundas com aquele nariz entupido. Continuava com dificuldade de respirar. Foi para o quarto, voltou em poucos minutos. Quase sem voz, falou:


- Tato, me leva ao hospital?


Agora, sim, podia ir. Precisava trocar aquela calcinha grande, de algodão, cor de pele, que se veste por conforto nos dias em que se está sozinha em casa. A ocasião pedia uma pequenininha, rosa, de renda... tão inocente quanto os planos de Gabi para aqueles olhos apertados nos dias sem espirros.



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