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Elisa e o encantamento dos movimentos das pernas

Elisa fazia questão de ir à academia mesmo nos dias frios. Já tinha feito todos os cálculos e sabia exatamente o horário em que ele chegava e qual a sequência dos exercícios que ele costumava fazer. Especialmente quando ele trocava o treino porque significava pelo menos mais 15 minutos na academia, tirando dúvidas com o instrutor.


Não queria admitir, mas ela mudou sua rotina nas terças e quintas à noite. Era nestes dias que ele dedicava quase uma hora à bicicleta. E aquelas pernas... naquele movimento contínuo... Duas de quinze ou três de doze? Sempre perdia a conta dos exercícios que estava fazendo. Em geral, os homens ali costumavam malhar braços. Aliás, algo que ela sempre avaliou como muito estranho. Era sempre engraçado ver corpos extremamente musculosos da cintura pra cima e pernas magras. Ele não era desses; ele sabia a exata medida da alternância entre braços e pernas nos exercícios. Não era um corpo musculoso, mas era bem simétrico e simetria para uma arquiteta era uma dádiva.


Ela desenvolveu uma técnica de observá-lo pelo espelho de forma que conseguia ver suas pernas roçando no banco a cada pedalada. Lembrou de uma música antiga do Raimundos. Riu sozinha. Elisa se perdia nos movimentos dele naquela bicicleta que algumas vezes esperou ele sair para correr e se sentar no banco ainda quente e molhado pelo seu suor. Uma vez, teve certeza de que ele viu e parece que foi a partir daí que ele passou a olhar para ela.


Ele pareceu surpreso de vê-la. Ela, por outro lado, depois de quase seis meses observando ele ali, já sabia cada marca suada das luvas que ele usava para segurar aqueles pesos. Assim que viu que foi percebida, sentiu uma mistura de tristeza e alegria. Ele não devia ter interesse algum, afinal, meio ano se passou e somente naquele dia ele a tinha visto. Por outro lado, ela, recém descoberta pelo olhar dele, agora era novidade e ele pareceu querer entender como aquela regata larga podia grudar no corpo dela.


Não parou mais de olhar para ela. Fingia que olhava o próprio movimento no exercício, mas inevitavelmente seus olhares se cruzavam. Numa noite, Elisa chegou a ficar sem graça quando percebeu que ele usava a mesma estratégia do espelho. Tremeu. Quase se machucou com um peso que escorregou das mãos. Ele correu para ajudar, mas foi só. Nunca trocaram mais do que olhares de flerte cruzados no espelho e ois de educação.


Queria saber mais sobre ele, mas só tinha coragem de perguntar ao instrutor. E ficava mais à vontade quando ele faltava à academia. Enquanto ele estava lá, não queria perder tempo com quaisquer outras pernas. Aliás, aquelas pernas só perdiam mesmo para um italiano que ela conheceu uma vez. Mas as dele estavam em segundo lugar, com certeza. E no primeiro lugar nacional, que já era um bom título.


Certa vez, ela esperou nas máquinas da frente, dando alguma vantagem de um eventual atraso a ele, mas isso não era comum. Desistiu de olhar para a porta automática e sentou na bicicleta do canto; a única vazia. Fechou os olhos e lembrou do movimento que ele costumava fazer. Sentiu o encaixe perfeito das próprias pernas ali. Perdeu as horas. Apenas movimentou as pernas.


Foi surpreendida pelo olhar dele ao espelho. Sorriso de canto de boca. Ele havia chegado mais cedo? Há quanto tempo olhava para ela? Havia percebido ela ali a lembrar dele? Ruborizou.


Naquele dia, tomou coragem e foi para a esteira ao lado da dele. “Oi”, disse ela com a certeza da conquista. Ao menos era o que aparentava. A versão no seu interior era completamente oposta. Que bom que o movimento da esteira disfarçava o tremor das suas mãos...


Ele ficou um pouco desconsertado, mas respondeu. Ela sorriu e o chamou pelo nome. Ele assustou porque nunca haviam se apresentado. “Como sabe meu nome?”, perguntou. “Eu sempre procuro saber mais sobre o que quero”, respondeu Elisa, já com a certeza de que tinha feito um bom movimento no tabuleiro de xadrez. Com aquele sorriso, ela já sabia que precisava fechar a jogada porque era provável que tivesse um sim. Foi rápida: “posso te ligar mais tarde ou devo apagar do meu celular o número que consegui?”.






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